sábado, 26 de abril de 2008

A PEDAGOGIA DO OLEIRO


EGIVANILDO TAVARES


Já visitei muitos lugares onde aprendi muitas coisas boas e significativas para minha vida, pois, acredito que não exista um lugar que não tenha algo a nos ensinar. A vida por si só já é pedagógica e nos conduz trivialmente na estrada do eterno aprendizado, mas tem um lugar que marcou-me com sua notável lição: uma olaria.

Fui convidado por um amigo para visitar uma olaria, pois havia solicitado um vaso específico e gostaria de passar algumas informações acerca daquele vaso desejado. Ao chegar lá, muito cedo, esperamos pelo oleiro e poucos minutos depois ele chegou, muito simpático, bem vestido, mãos limpas e o cabelo ainda molhado do banho do alvorecer. Entramos com ele enquanto meu amigo lhe passava alguns detalhes sobre o designe do vaso. Logo pediu licença, foi ao banheiro e voltou com outra roupa, uma bem apropriada para o seu trabalho - Uma camisa já bem desgastada, manchada, e uma bermuda velha e malhada pelo barro, padrão adequado para aquele ambiente -.

De repente o homem se destina a uma porção de argila, começa a molhá-la, apertá-la, movê-la... Insistentemente atraca seus dedos na massa e mexe, mexe até atingir um ponto desejado; depois se dirige ao torno e começa a enchê-lo com aquela argila. Neste ínterim suas mãos já haviam perdido sua cor original, já se pareciam com a argila, suas vestes começavam a receber alguns respingos de massa enquanto as movimentava. Fiquei observando atentamente como ele aplicava aquela argila que por diversas vezes queria fugir da forma que desejava lhe dar, mas insistentemente ele persistia na ação de modelar até que a massa foi se ajustando no torno. Aos poucos aquele barro informe começou a receber uma forma cilíndrica, cuidadosamente com o dedo polegar ele fez um orifício na parte superior do cilindro e seguiu o processo. As mãos do oleiro estavam em pleno movimento de baixo para cima.

Atenciosamente aquele oleiro foi trabalhando aquela argila como se nada existisse ao seu redor, de quando em quando um pingo de massa aqui, outro ali, uma pequena mossa no formato, mas ele não perdia nada de vista e foi acrescentando cada detalhe até lhe proporcionar a forma final.
Depois de um seqüenciado processo de paciência, dedicação, habilidade e perfeccionismo, aquele notável vaso estava praticamente definido aos nossos olhos. Com muita diligência agora o oleiro lança mão de um arame e o separa da superfície do torno, espera secar e em seguida o leva para o forno. Este estágio agora é com o fogo. A argila precisa ser cozinhada para preservar a forma que recebeu no torno. No forno além de se endurecer e definir de uma vez a forma que foi dada ao vaso, também lhe dá uma nova cor, que após sair de lá só basta um banho de verniz e pronto. O oleiro marcou o tempo no relógio para que não queimasse demais e colocasse a perder, pois tudo deve ser feito com muita disciplina para não jogar todo trabalho realizado fora. No momento certo retirou o vaso e nos aproximamos daquele objeto ainda quente e lá estava o vaso prontinho para ser utilizado no seu fim desejado.

Aquele trabalho me fez refletir sobre o processo educativo de como formar uma criança. Pois, assim como aquele oleiro precisou mudar suas vestes ao chegar à olaria e deixar-se melar pela massa, ou seja, envolver-se a tal ponto de suas mãos parecerem-se com o próprio barro, faz-se necessário que os pais, os primeiros educadores e os profissionais da educação mergulhem no mundo da criança e interajam em tal proporção que a linguagem se torne compreensível. No processo formativo de uma criança, a persistência é imprescindível naquilo que ensinamos. As crianças às vezes assimilam no instante o que ouvem, mas não aprendem, e é preciso que se repita a mesma coisa diversas vezes de diversas formas, até que se forme o conceito de certo e errado em seu ser.
A criança é como a argila para se modelar, o oleiro precisa lhe dar a forma e como a massa está mole às vezes a práxis se torna difícil, pois facilmente se desmancha, mas, paciente e perseverantemente ele torna a repetir a ação até atingir a forma proposta. A grande dificuldade no processo ensino-aprendizagem paira justamente aí, porque muitos educadores se esquecem que as crianças estão em fase de desenvolvimento e que a massa ainda não recebeu a forma final e que até chegar a hora de ir para o fogo e definir o seu modelo, há uma certa resistência da massa nas mãos do oleiro.
Educar exige habilidade, amor, perseverança e muita dedicação. Não se educa buscando resultados imediatos, nem com medo de colocar as mãos na massa. É preciso insistir com a massa, corrigir as mossas e imperfeições, ou seja, disciplinar e orientar para formar o cidadão do amanhã. O oleiro que desistir de um vaso só porque sua massa é difícil de se modelar, nunca conseguirá levá-lo ao forno e por fim nunca conhecerá sua utilidade na sociedade. Se quisermos cidadãos ativos e produtivos, conscientes de direitos e deveres e livres para julgar o que é certo e errado, precisamos aprender a Pedagogia do Oleiro.